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  Finalmente depois de longos meses sem um emprego, indo de agência para agência, batendo na porta de comércios e de lugares desconhecidos, os músculos voltam a doer de cansaço. E afinal, o dinheiro a entrar no bolso. Dinheiro que limpa o nome, que garante minha cerveja e os livros que uso para alimentar minha alma. Que permite ás minhas botas se movimentarem pela cidade, sem ter de dar satisfação a ninguém. Trabalhar cansa, mas garante sua independência. Garante sua comida, seu espaço, e permite que vá para os lugares que sempre quis.

Se enxerga as olheiras tomarem forma. Vê a maturidade, como uma espécie de vento soprar pelo vão da porta e invadir os olhos, transformando meninos em homens e meninas em mulheres. Responsabilidades, o medo da adolescência no geral, medo de se ver ofuscado e preso a um único trabalho repetitivo, medo de estar  prestes a perder sua liberdade recém conquistada e toda aquela rebeldia que é erguida como um grito de guerra. Mas tudo isso muda, conforme se enxerga a velhice chegar ao rosto daqueles que te seguraram no colo, olhares de orgulho, antes tão firmes, hoje tão frágeis. Olhar para as fotos e se tocar de que o tempo passa rápido demais. Hoje me pergunto porque procuramos tanta aceitação lá fora. Porque procuramos durante tanto tempo por respostas que estão dentro do próprio peito, batendo devagar. E no meio de tudo isso a afobação que toma conta durante um período que normalmente desperdiçamos.

 Posso ter tido meus acessos, mas hoje quando uso minhas luvas e soco o saco de areia, já não é mais com aquelas emoções quebradiças de um menino que ainda não compreendeu o que deseja. Cada gota de suor gasta, cada vez que olho para o reflexo no espelho. Cada apoio feito para construir o pátio do meu caminho, este, pavimentado naturalmente para a batalha, não tenho como não sorrir e agradeçer por ainda ter força nos braços para poder me manter. E a cada dia, como se fosse minha última chance, sento na escada de tijolos e cimento no quintal dos fundos e olho para o céu.

   O horizonte dança conforme as nuvens são movimentadas pelos ventos passageiros. Somente assim, com o corpo ardido, a água atravessando a garganta, e esse azul enorme passando majestosamente por sua cabeça é que finalmente se compreende o cerne da palavra liberdade.

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